Marina Gomes de Paiva Bernardes

"Confesso que vez por outra, me dou o direito de chorar, com saudades do tempo em que nem lembrava que meu pescoço existia".
Lendo o depoimento de Ros Mari, portadora de distonia desde os 24 anos, no Boletim de número 4, impossível não se emocionar. De repente, fui também, levada a lembrar-me de um menino forte, corajoso e muito querido, que lutava e ainda luta para viver bem, apesar da distonia. Ele nunca soube reclamar, mas seu corpo me dizia: "Estou tão cansado, quando isto vai terminar?".
Conviver com os sintomas da distonia, é cansativo, frustrante e desgastante, exigindo ao mesmo tempo aceitação e espírito de luta.
Perder autonomia dos movimentos, necessitar ajuda de outras pessoas para realizar tarefas cotidianas, sentir-se tomado por algo que ainda não tem cura definitiva, obriga a pessoa a rever e transformar o seu estar no mundo.
Para as pessoas adultas, o sentimento de perda e o luto subseqüente, são os maiores desafios. Porém os muito jovens, além do sentimento de perda, precisam aprender a amar e valorizar, um corpo que ainda não tiveram tempo de conhecer. Às inseguranças próprias da adolescência, somam-se as frustrações dos movimentos desarmoniosos do corpo.
Cabe aos pais neste momento, ajudar o jovem a se aceitar sem se acomodar ou se esconder, mantendo viva a luta por uma boa qualidade de vida .
O espaço que este boletim reservou para depoimentos, cumpre uma importante função terapêutica. Quando abrimos nosso coração, muitas vezes deixamos escapar dores e lamentos, mas a compaixão do outro não deixa que a ESPERANÇA se perca.
Compaixão significa "sofrer com", e a esperança nasce da experiência do sofrimento compartilhado.
Portanto, o primeiro passo para a cura, é ter coragem de mostrar a ferida e suas dores, despertando a compaixão do outro. Todo ser humano, como Quíron*, tem uma ferida incurável, daí nasce a motivação para pesquisar medicações, tratamentos e técnicas terapêuticas.
O depoimento das pessoas que sofrem, além de ajudar os outros a suportar suas limitações, orienta e esclarece a direção das pesquisas, criando uma comunidade de investigação.

* Quíron da mitologia grega, o curador ferido (aquele que por ter uma ferida incurável, era capaz de ter compaixão e curar).


Marina Gomes de Paiva Bernardes
Psicóloga -Terapeuta Junguiana